O governo vai tomar a iniciativa de fazer avançar, neste ano, a tramitação de projeto que cria a Lei de Responsabilidade Sanitária, similar, na área de saúde, ao que a Lei de Responsabilidade Fiscal representa para as finanças públicas. A proposta delimita responsabilidades e relaciona punições à União, Estados, municípios e gestores que não cumprirem seus dispositivos.
O projeto de lei tramita desde 2007 na Câmara dos Deputados e já foi aprovado pelas comissões de Seguridade Social e do Trabalho, mas a pressão de secretários municipais e estaduais de saúde impediu que ele avançasse. O motivo eram os artigos que, segundo eles, "criminalizavam" agentes públicos que não cumprissem os termos da lei. A saída encontrada, por ora, foi a de flexibilizar a punição e estendê-la também aos entes federados, por meio da limitação de transferências de recursos.
Em geral, o projeto estabelece o cumprimento de metas tendo por base os chamados "contratos organizativos de ação pública" firmados entre União, Estados e municípios. Ali, estará previsto o montante de recursos que os gestores devem aplicar, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde. Também consta a obrigatoriedade de comprovar essa aplicação e demonstrar o grau de execução das ações programadas, além de apresentar balanços financeiros, orçamentários, permitir a realização de auditorias e dar transparência às informações pela internet.
O problema, contudo, estava nos trechos em que determinava as punições a quem não cumprisse essas obrigações, assim intitulados "crimes de responsabilidade sanitária". São alguns deles: deixar de prestar de forma satisfatória os serviços básicos de saúde; transferir recursos da conta de saúde para outra conta; dar às verbas de saúde aplicação diversa da estabelecida em lei; deixar de executar ou interromper injustificadamente as ações previstas e prestar informações falsas no relatório de gestão.
O projeto diz que os gestores incorreriam em crime "por ação ou omissão", se "concorreu com culpa ou dolo para a sua prática, ou dela se beneficiou". Nesses termos, o recado que chegou ao Ministério da Saúde pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) e pelo Conselho Nacional de Secretários de Estado de Saúde (Conass) foi de que haveria resistência dos gestores.
Assim, o relator do substitutivo do projeto na Comissão de Finanças e Tributação, Rogério Carvalho (PT-SE), em negociações com o líder do governo no Senado e autor de projeto semelhante, Humberto Costa (PT-PE), ex-ministro da Saúde, decidiu se concentrar em algo mais consensual. "Havia uma resistência à punição ser exclusivamente para a pessoa física. Agora vamos avaliar o conjunto que define o objeto do contrato administrativo. A responsabilidade pode ser tanto do ente federado quanto do agente. Não existe uma escala de quem é punido primeiro, é tudo paralelo", afirma Carvalho, que foi secretário de Saúde em seu Estado entre 2003 e 2010.
Seu substitutivo será apresentado em fevereiro, tão logo comece o ano legislativo no Congresso. "Em caso de descumprimento das metas, o Estado ou município deixa de receber recursos de transferências e o agente passa a ter uma gestão supervisionada", afirma. A ideia é que ele chegue à Comissão de Constituição e Justiça da Casa ainda neste semestre e vá a plenário até o fim do ano. A participação de Costa nas negociações também se deve à tentativa de que o projeto chegue ao Senado sem a necessidade de alterações pelos parlamentares, para evitar que o projeto tenha que retornar à Câmara.
O projeto faz parte de um conjunto de iniciativas que o governo pretende tomar na área de saúde para tentar, aos poucos, superar os problemas de gestão, ali identificados, que mantêm o serviço entre os piores apontados pelos cidadãos em pesquisas de opinião.
Segundo o assessor especial do Ministério da Saúde, Fausto Pereira dos Santos, o esforço é para que o substitutivo seja de fato o mais próximo do que defende o governo e as entidades que reúnem os secretários de saúde de Estados e municípios. E que o importante é que haja a previsão de punições. "Para fazer um contrato organizativo de ação pública, tem que ter sanções. Um contrato sem penalidade não necessariamente vai ser cumprido."