A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabeleceu normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão pública, foi um marco importante das reformas econômicas no Brasil. Contribuindo para a geração de superávit primário, constitui-se desde 2000 em forte pilar a sustentar a estabilidade econômica, conjuntamente com as políticas de metas de inflação e de taxa de câmbio flutuante. A relevância da gestão fiscal transparente e responsável é imensurável na consolidação da política econômica voltada para a estabilidade monetária e o crescimento sustentado.
Para garantir a execução de políticas públicas com equilíbrio orçamentário, a LRF, em seu artigo 19.º, fixou no máximo de 49% o comprometimento da receita líquida corrente em gastos com pessoal no Poder Executivo de Estados e municípios. Desdobramentos de decisões tomadas recentemente por iniciativa do Poder Executivo da União e ainda possíveis impactos decorrentes da pauta do Congresso Nacional põem em risco o seu cumprimento, a administração estadual e mesmo a autonomia federativa.
De um lado, gostaria de apontar as consequências sobre os gastos públicos estaduais em razão da elevação do salário mínimo em 13,6%, conforme proposta orçamentária para 2012, recentemente encaminhada ao Congresso Nacional, atendendo ao disposto na Lei n.º 12.382/11. Como consequência, o aumento real de salários e benefícios previdenciários dos servidores, que deverá constar das propostas orçamentárias dos governos estaduais a serem encaminhadas às respectivas Assembleias Legislativas no final deste mês, irá comprometer parte considerável da disponibilidade para a previsão de gastos com pessoal.
De outro lado, gostaria de ressaltar os impactos sobre as despesas com pessoal da aplicação do art. 5.º da Lei n.º 11.738/08, que estabeleceu o piso salarial profissional do magistério público e sua atualização anual com base no "porcentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano". Os seus valores são definidos por portarias ministeriais, não levando em consideração a estrutura de gastos dos Estados. Por exemplo, se aplicadas as atualizações, em Minas Gerais, entre 2007 e 2011, haveria uma atualização de cerca de 82,7%, muito superior à variação do INPC para o mesmo período, que ficou em 24,1% - um ganho real superior a 50%. Estima-se para 2012 um acréscimo de 22,2% para uma inflação prevista de 4,8% na proposta orçamentária da União.
A manutenção dos aumentos reais dos salários dos professores da rede pública estadual inviabiliza a gestão financeira dos Estados. Ademais, há dois outros aspectos perversos da atual política de atualização do piso salarial na educação: a fixação de remuneração de servidores estaduais pelo Poder Executivo federal, retirando atribuição do Estado em exercer sua política remuneratória, fere a autonomia federativa e a quebra da isonomia - garantida na Constituição federal - ao romper com atualização da remuneração de todos os servidores públicos por meio de revisão geral anual na mesma data e segundo os mesmos índices.
A ausência de maior compreensão dessas questões e de uma ação coordenada e solidária entre as diferentes esferas da administração e entre os diferentes Poderes está contribuindo para o estímulo às demandas de professores que não são possíveis de serem atendidas.
As bases de uma gestão fiscal responsável, fundamental para a estabilidade monetária e o crescimento econômico, não podem estar submetidas a interesses corporativos e político-partidários. Independentemente de seu mérito, não é viável do ponto de vista das finanças públicas continuar no caminho de concessão de ganhos reais a algumas categorias à custa do equilíbrio fiscal e da equidade. Enfim, com desequilíbrio fiscal, no futuro próximo todos pagarão essa conta com mais inflação e mais desemprego.
PAULO PAIVA - PROFESSOR DA FUNDAÇÃO DOM CABRAL, FOI MINISTRO DO TRABALHO E DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO NO GOVERNO FHC
Artigo em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,financas-estaduais-em-risco,767898,0.htm