CÂMARA MUNICIPAL DE
CRISÓPOLIS

Artigo: As vítimas da transparência

 20/08/2012 | TRANSPARÊNCIA

A história brasileira e mundial apresenta, entre famosos e anônimos, um sem número de jornalistas, pensadores, sindicalistas, representantes de movimentos sociais e denunciantes, entre outros que pereceram ou se feriram na luta pelo acesso a informação que permitiu apontar os desmandos e desvios na esfera da gestão pública. O presente artigo pretende abordar que essas lutas não terminaram e que os avanços recentes da transparência vão trazer novos matizes para as batalhas a serem travadas no campo democrático.

Essa antiga luta teve em nosso país, recentemente, dois marcos importantíssimos. O primeiro foi a alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) pela Lei Complementar n°131, de 27 de maio de 2009 (Lei Capiberibe), que indica no seu art. 48 a transparência como um princípio positivado, a ser seguido pela Administração Pública. Mais recentemente, a Lei nº 12.527, sancionada em 18 de novembro de 2011, a Lei de Acesso a Informação (LAI), entre outras coisas, busca estabelecer procedimentos para assegurar o direito fundamental de acesso à informação, instrumentalizando essa questão, suplantando o aspecto do discurso, para que a transparência seja uma realidade.

Os marcos legais citados são o início de uma peleja que se apresenta como a luta democrática mais importante dessa década no Brasil, na busca do acesso as informações produzidas e armazenadas pelos governos, envolvendo consequências incalculáveis no campo dos avanços da democracia, mas também nas relações de poder em diversas dimensões, como uma fonte de conflitos gerados pela informação. Afinal, informação é poder.

Em um tempo de globalização, de interligação do mundo por uma rede mundial de computadores cada dia mais acessível, cada cidadão a frente de seu computador se torna um jornalista, um vigia e um denunciante, ao mesmo tempo prossegue assimilando, articulando e reproduzindo informações. A transparência surge como uma descarga elétrica a inundar essa rede de mais informação, catalisando forças e reações, nas relações do cidadão com a coisa pública.

É fato que a transparência pode se chocar, no caso concreto, com os princípios constitucionais afetos a privacidade, demandando harmonização. Entretanto, apesar da transparência gerar externalidades negativas, por um lado, na exposição de pessoas, no municiamento de indivíduos com intenções escusas e na geração de informações privilegiadas em processos judiciais no campo pessoal, por outro lado, ela proporciona externalidades positivas, para além de um avanço na vivência democrática, pois é possível em um contexto de transparência plena a efetiva circulação de informações, o que reverte para a melhoria da gestão, por propiciar o monitoramento e a retroalimentação de dados aos gestores, bem como atua nos sistemas econômicos, pelo fato das empresas poderem acessar em pé de igualdade as ações governamentais, em especial no seu papel de intervenção no mercado. Tudo isso, prós e contras, devem ser sopesados na discussão da transparência!

Assim, toda a luta social tem vítimas e heróis. Há de se considerar que desde antes dos tempos que o "Rei não errava" e da Magna Carta de João Sem Terra (Inglaterra, 1215), culminando com o grito de liberdade, igualdade e fraternidade que ascendeu a burguesia na Revolução Francesa (1789), a luta maior, pela democracia, tem feito mais vítimas que heróis. O patrimonialismo patriarcal se reinventa no sistema capitalista e os feudos dão lugar às corporations. Os interesses privados continuam ocupando os espaços nos movimentos sociais e órgãos governamentais. As lutas também se reformulam, buscando não somente a informação pura e simples, interpretativa, mas uma informação que permita a modificação da situação vigente para o benefício da coletividade.

Assim, os desafios da transparência se fazem na superação do denuncismo com propósitos pessoais, no acesso a informações fidedignas, claras e que possam ser relacionadas com outras pelo cidadão comum, com um fim útil e ainda, se apresenta no rompimento dos bastiões de sigilo que resistem à realidade posta. Por seu turno, a luta avança não somente pelo campo do acesso, mas para a demanda por aferição, por meio de requisitos que permitam qualificar a transparência realmente como efetiva, em situações concretas.

A ideia principal da Lei de Acesso a Informação, a "observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção", parece simples. Entretanto, sua materialização não se refere apenas a uma questão de mudança de mentalidade, de cultura. Envolve a relação de forças no tecido social, do Estado em suas diversas funções com os cidadãos e as empresas, e uma gama de conflitos oriundos dessas mesmas relações. Conflitos estes que trarão benefícios ao amadurecimento democrático de nosso país, que coleciona regimes de exceção como regra, mas que também trarão dores, naturais em mudanças de paradigma, o que gera resistências e subterfúgios.

Assim, a nossa geração que vivencia esse momento ímpar, e até mesmo inimaginável por nossos antecedentes, tem o dever de honrar a memória das vítimas da transparência de outrora. Porém cabe-nos também reduzir o número de vítimas, aprendendo com os erros do passado e utilizando-se de mecanismos que permitam a informação fluir e que esta reverta para a modificação social, providenciando, concomitantemente, a proteção do cidadão. Caso não se procure proteger aquele que usa a informação com fins republicanos, saberemos das coisas, mas teremos as mãos atadas, em uma angústia maior que a dos tempos da inconsciência.